quarta-feira, 9 de maio de 2012

MORTE E VIDA DA FELICIDADE

MORTE E VIDA DA FELICIDADE

Pois para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro.(Filipenses 1.21).

Estava lendo o livro “História Ilustrada do Cristianismo”[1], do Dr. Justo L. González, e tive a oportunidade de conhecer a história de grandes homens e mulheres do passado, cristãos que não transacionaram com o mundo, mesmo que isso lhes custasse a vida.

Uma história dentre tantas me chamou a atenção, a da nossa irmã Felicidade.

Felicidade foi uma viúva que por volta do ano 170 d.C. foi martirizada, juntamente com seus sete filhos. Naquela época era comum as viúvas dedicarem-se totalmente ao serviço da igreja, que as sustentava.

O imperador de Roma à ocasião era Marco Aurélio, que ficaria conhecida na história como “o imperador filósofo”. Aquele imperador velhinho e cândido que a ótica cinematográfica mostrou no filme “Gladiador” sendo assassinado pelo filho.

Há alguns anos li a única obra escrita pelo supersticioso Marco Aurélio (a história conta que ele não dava um passo sem consultar seus adivinhos e oferecer sacrifícios pelas suas empreitadas), que lhe rendeu o título de “imperador filósofo”: “Meditações”. À época achei muito interessante que um imperador romano pudesse dedicar-se à especulação filosófica, hoje, entretanto, conhecendo mais sua história, acho que ele acertou somente em uma de suas “sentenças”, que foi dirigida para ele mesmo (XXXVII) [2]:

Um pouco mais e estarás morto. E não conseguiste ainda ser simples nem tranquilo, não venceste o erro de imaginar que te possam se nocivas as coisas exteriores, não adquiriste a benevolência para com todos nem a certeza de que a sabedoria consiste apenas em agir com justiça!

Digo isso pelo trato dado pelo “imperador filósofo” ao caso de Felicidade e seus filhos.

Após a prisão de Felicidade, foram feitas promessas e, negando-se esta a retratar-se, ameaças. Felicidade manteve-se inflexível em sua fé. O prefeito da cidade então passou a fazer o mesmo com seus filhos, mas sua mãe os exortou a permanecerem firmes e todos assim o fizeram.

Diante da rejeição às promessas feitas e o desdém às ameaças, o prefeito encaminhou as atas dos interrogatórios ao imperador Marco Aurélio, que morreu sem alcançar sabedoria, benevolência, sabedoria e justiça, ordenou que diversos juízes proferissem sentenças em face dos acusados, para que cada um sofresse um suplício diferente.

Umas das frases que teria sido dita por Felicidade é muito marcante, tendo sido dirigida ao prefeito enquanto este a ameaçava: “viva, eu te vencerei; e, se me matas, em minha própria morte vencer-te-ei ainda mais”.

Morreu Felicidade e seus sete filhos, fiéis a Cristo, íntegros e verdadeiros até à morte. Morreu vitoriosa.

O que mais me incomoda com a história de Felicidade e seus filhos não é o imperador Marco Aurélio, filósofo de meia-pataca; nem o martírio a que foram submetidos (eles entregaram a vida sabendo em Quem criam, ninguém pode lhes tirar isso), mas o fato de saber que hoje uma fé tão verdadeira a ponto de oferecer a vida com alegria, pelo simples prazer de honrar o nome de cristão que carrega não parece ser encontrada em todos os modernos (ou pós-modernos) cristãos.

Não sei se eu mesmo entregaria a vida com tanta abnegação. Como os advogados dizem “só analisando o caso concreto”, recentemente o pastor Yosef Nadarkhani teve essa oportunidade, e seguiu o caminho de Felicidade.

Mas não falo exclusivamente da morte pelo martírio, gostaria de me deter na vida pelo martírio. Felicidade morreu porque tinha Jesus como seu alvo. Mas será que nós vivemos tendo Jesus como nosso alvo?

Ela não transacionou a fé. Será que hoje nós, cristãos do século XXI transacionamos nossa fé?

Será que os tantos jeitinhos que aparecem para evitarmos situações mais “complicadas” na vida não seriam como se Felicidade negasse a Cristo para manter sua vida e a de seus sete filhos?

Aquela nota fiscal que o empresário não emite (porque o governo já arrecada muito). Aquela assinatura falsa da carteira de trabalho para receber um benefício indevido, seja lá qual for (tem tanta gente recebendo benefício do governo sem ter direito..., os políticos erram muito..., por que eu também não tenho direito...). Aquela compra de DVD pirata que viola direitos autorais (afinal o original é muito caro!). Aquela colinha na hora da prova (afinal de contas todo mundo faz, não é?).

No país tão pacífico em que vivemos, no presente momento não temo a perda da vida física (Deus o sabe se algum dia será necessário), mas temo principalmente a perda da identidade com Cristo, a perda do caráter cristão, a cauterização da mente para o pecado, o menosprezo da santidade.

Temo que algum dia não possamos mais dizer como Inácio, pastor da igreja de Antioquia, que a caminho do martírio, sabendo que os irmãos em Roma pretendiam livrá-lo do cárcere pediu que estes não rogassem para ele a liberdade, mas força para enfrentar a toda prova, “para não somente me chamarem cristão, mas que também me comporte como tal[3].

Felicidade não só podia ser chamada de Cristã, mas se comportou como tal.

E nós, como temos nos comportado?

Pense nisso.

Deus o abençoe.



[1] GONZÁLEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 2011, vol. 1, pp. 52 e 53.
[2] AURÉLIO, Marco. Meditações. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 40.
[3] Op. Cit., p. 49.

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